terça-feira, 3 de novembro de 2009

Pequenas Memórias XXI


A Têxtil Nos Poetas e Prosadores de Vila das Aves
Mulher da Minha Gente




Um silvo rouco entra pelo sono dentro,
Na rotina implacável do labor fabril
É breve a infância, o sonho interrompido
E já os olhos se lavam na manhã urgente
Para entrar a calhar no ritmo do tear.

Seus passos, ao compasso doutros passos,
Perdem-se no anónimo rumor
E tem por companheiro o braço desta gente
Que fia e tece sonhos de grandeza
Por dez reis de sonho, em recompensa.

Mulher que se agiganta ao frenesi da máquina
E conhece, por dentro, a urdidura
Desta teia que a trama e configura
O gesto livre de amar, sem galanteio,
Ou a altivez com que se nega a usura.

Sente a amargura do algodão nas cardas
Nas horas desfiadas a cismar nos filhos
- Linho fiado sem igual desvelo –
E, tão madrasta é a vida por deixá-los
Horas a fio, à sorte, ao abandono!

O cotão da idade branqueia-lhe o cabelo,
Sabe a textura das rugas no tecido
E quando deixa a lida já tem netos,
É pródiga de beijos e de afectos,
Mulher que se gastou, mulher da minha gente.


Luís Américo Carvalho Fernandes
1º Caderno de Poesia (Autores Avenses)
Edição – Associação Avense - AA78
1980

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