segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pequenas Memórias XXIII


A Têxtil nos Poetas e nos Prosadores de Vila das Aves
Os meus 40 anos de empregado têxtil



Se alguém me perguntar se a caminhada
Foi dura do começo até ao fim ...
Prefiro responder sem dizer nada:
Não sofro... nem sofri... sei ao que vim!...

Foi como uma oração, de fé rezada,
E acompanhada a toque de clarim...
Nem só quem chora sente a alma cansada,
Também há desencantos dentro de mim...

Meus olhos, como tal, nunca sorriram,
As flores mais tratadas não abriram
E as que abriram murcharam de repente...

Valeu-me esta constante sinfonia
Que se chama beleza e poesia
E me deslumbra a alma eternamente!...



Fernandes Valente Sobrinho
Ponto Final (Poesias)
Vila das Aves- 2008
Ed. De Autor

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Pequenas Memórias XXII


A Têxtil nos Poetas e Prosadores de Vila das Aves
Poema a Vila das Aves

Vila das Aves, meu amor primeiro!...
- Visão distante: um homem... um arado...
O sol... duas janelas... um cruzeiro!...
E a terra preta feita grão dourado...

Vermelhas chaminés que o branco arado
Foi levantando em volta do cruzeiro!...
Meu mundo pequenino... dilatado!
Já vestes quase Portugal inteiro...

Meu Ave e meu Vizela sussurrantes,
Neste poema aberto entre vós dois
Há páginas que falam de gigantes...

...Milagre que Deus fez pelo seu braço:
Onde cantavam dantes rouxinois
Rangem agora maquinismos de aço...


Fernando Carneiro


- 1ºs Jogos Florais de Vila das Aves – 1º Prémio na categoria: Soneto
1957
Paisagens do Meu Mundo, 1958
Ed. de Autor

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Pequenas Memórias XXI


A Têxtil Nos Poetas e Prosadores de Vila das Aves
Mulher da Minha Gente




Um silvo rouco entra pelo sono dentro,
Na rotina implacável do labor fabril
É breve a infância, o sonho interrompido
E já os olhos se lavam na manhã urgente
Para entrar a calhar no ritmo do tear.

Seus passos, ao compasso doutros passos,
Perdem-se no anónimo rumor
E tem por companheiro o braço desta gente
Que fia e tece sonhos de grandeza
Por dez reis de sonho, em recompensa.

Mulher que se agiganta ao frenesi da máquina
E conhece, por dentro, a urdidura
Desta teia que a trama e configura
O gesto livre de amar, sem galanteio,
Ou a altivez com que se nega a usura.

Sente a amargura do algodão nas cardas
Nas horas desfiadas a cismar nos filhos
- Linho fiado sem igual desvelo –
E, tão madrasta é a vida por deixá-los
Horas a fio, à sorte, ao abandono!

O cotão da idade branqueia-lhe o cabelo,
Sabe a textura das rugas no tecido
E quando deixa a lida já tem netos,
É pródiga de beijos e de afectos,
Mulher que se gastou, mulher da minha gente.


Luís Américo Carvalho Fernandes
1º Caderno de Poesia (Autores Avenses)
Edição – Associação Avense - AA78
1980