quinta-feira, 5 de março de 2009

Pequenas Memórias - III


Os Esconderijos


Voltarei à Bouça das Minas mais tarde, quando a sede for muita. Mas por agora e por ter falado em “esconderijos”, quero recordar que todos os rapazes os tinham. Geralmente cada grupo tinha o seu. Os grupos também eram variáveis em número: poderiam ser dois, três, uma dúzia ... Os mais numerosos eram sempre invejados pelos outros, ou pela maior audácia dos participantes, por aventuras mais ousadas, pelo “esconderijo” que possuíam ser desconhecido e como tal inviolável, ou mesmo pelo “chefe” do grupo, ser mais velho e como tal ser mais respeitado na hierarquia dos grupos. Eu pertenci a alguns. Porque, dependendo das amizades circunstanciais, também podíamos mudar de companhia e inevitavelmente de grupo. Estes constituíam-se sobretudo nos três meses das ferias de verão. Três longos meses de aventuras fora de casa!
Um dos grupos a que pertenci em determinada altura tinha um estatuto já considerável. O “esconderijo” secreto era junto ao rio Ave, depois do Rio Berto. Consistia esse “esconderijo” numa caverna natural formada por penedos, mesmo junto ao rio, sendo de muito difícil acesso. Os grupos reuniam, definiam estratégias, algumas até de combate com outros grupos. Pacto secreto era sem dúvida o local do “esconderijo”, e quem o violasse poderia considerar-se excluído de todas s aventuras e até mesmo da amizade dos restantes elementos do grupo . A caverna junto ao rio era ( ainda é, porque ainda existe – visitei-a muitas vezes mais tarde) um local mágico. Levávamos para lá merenda, ferramentas, livros... Era uma tarde inteira dedicada ao belo ofício da aventura.

Embora fosse terminantemente proibido pelos nossos pais, também tomávamos banho no rio. A água fresca e limpa corria ali aos nossos pés, e embora o Ave fosse de uma corrente forte e tumultuoso durante todo o ano, no verão era suave e em alguns locais tínhamos pé para nadar, mesmo sem alguns saberem nadar. A maior parte ainda não conhecia o mar. Alguns rapazes perderam a vida nessas tardes de Verão: nunca que eu me recorde, na “ilha”. Morreram alguns no Amieiro Galego, em Caniços, no Padre Joaquim da Barca. Na “ilha”, não. No Verão o rio formava uma enseada, uma pequena praia que nós cuidávamos e uma ilha de fácil acesso no meio do rio. Num dia em que muitos tomávamos banho, nus, porque não tínhamos calções de banho e jamais podíamos deixar adivinhar aos nossos pais que íamos para o rio, aconteceu uma história engraçada. Um dos rapazes banhava-se tranquilamente no meio do rio, já num fim de tarde, quando os outros, por pura diversão e gozo, esconderam a roupa ao infeliz, e foram-se embora. Quando chegou a hora do rapaz se vestir, não encontrou a roupa. Que aflição! Que desespero! Mas lá teve que enfrentar o destino e vir-se embora nu. Não morava longe. No entanto ao atravessar uns campos de milho, umas mulheres que vinham das regas, depararam com o rapaz em pelote. Gritos de incredibilidade e de espanto. Claro que ao chegar a casa o pobre do moço levou uma sova. É para que servem os amigos!

E os cheiros da terra, dos campos, das eiras? O cheiro do milho em Agosto; das uvas em Setembro...

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